sábado, 16 de abril de 2011

A questão da compra e posse de armas, pós tragédia de Realengo

Queiramos ou não, gostemos ou não, a tragédia de Realengo mostrou inequívoca e definitivamente que estamos copiando o que há de pior nos EUA, e que precisamos nos debruçar urgentemente sobre a questão da violência em geral e, em particular, nas escolas, o problema do bullying (ver postagem anterior sobre isto) nesses estabelecimentos, e a questão da compra e porte de armas de fogo.

Frequentemente já me manifestei neste blog inconformado com decisões jurídicas extremamente (a meu ver) tecnicistas, que não contemplam (sempre a meu ver) aspectos sociais e moralizadores da solução do problema abordado. A decisão do STF sobre a Ficha Limpa foi minha reação mais recente de inconformismo e indignação contra o que considero um tecnicismo exacerbado. Pelo visto, já vislumbro que algo semelhante se avizinha no debate que ameaça ressurgir sobre o tema da compra e porte de armas no Brasil, após a tragédia da escola de Realengo.

Tive a atenção despertada por um dileto amigo para um artigo inegavelmente interessante e, aos meus olhos de leigo, aparentemente bem fundamentado, do jurista Adilson Abreu Dallari (professor titular da PUC - SP) sob o título "A trágica farsa do desarmamento" de 30/09/05. Esse artigo se referia ao referendo que se reralizaria em 23 de outubro daquele ano em que, como se veria depois, a população se decidiu pela manutenção da situação então e ainda vigente sobre a compra e o porte de armas de fogo. Se prevalecer a corrente que defende um novo referendo sobre exatamente os mesmos temas, estaremos em breve enfrentando a mesmíssima situação de 2005, o que ressalta e confirma a oportunidade e a importância do artigo de Dallari.

Com jurista que é, Dallari esgrima argumentos estritamente constitucionais, com a frieza da letra da Lei Magna, embora enxerte aqui e ali razões de natureza sociológica. O debate que parece se avizinhar novamente no Brasil não difere em sua essência daquele que, recorrentemente, vem à tona nos EUA e ali tem sido tratado pela Suprema Corte por envolver o Direito Constitucional. No artigo de Dallari destaco os seguintes pontos:
  • É preciso deixar bem claro que não haverá desarmamento algum. O referendo de 23 de outubro (de 2005), seja qual for o resultado, não vai retirar uma única arma dos bandidos.
  • Numa visão jurídica, a proibição absoluta da venda de armas viola o direito constitucionalmente assegurado a cada cidadão de proteger, com os meios para isso necessários, sua vida, sua incolumidade física, sua dignidade, seu patrimônio e sua família. Quem quer os fins, dá os meios. Ou seja, o direito de ter uma arma para sua própria defesa é um direito implícito, que tem pleno amparo no § 2º do art. 5º da CF.
  • Proibição da venda de armas viola o direito constitucional de proteção à vida.
  • Proibição agravará o desemprego, dará prejuízo superior a R$1 bilhão ao erário e estimulará o contrabando. -- Este argumento me irrita profundamente, esse é o tipo de assunto que, a meu ver, foge inteiramente da alçada do jurista, que não tem competência e vivência para afirmar isso tão categoricamente, a menos que esteja fazendo o lobby dos fabricantes de armas.
  • A proibição da venda de armas é mais um passo para a implantação do Estado totalitário, no qual a autoridade determina o que é bom e o que não é bom para cada súdito. Todas as ditaduras começaram por proibir a posse de armas por cidadãos de bem. O atual governo não esconde seus propósitos ditatoriais, acreditando que os fins justificam os meios. Hoje está sendo suprimido o direito de defesa. Amanhã, qual direito será suprimido? Quando os sem-teto vão começar as ocupações de imóveis urbanos habitados? O MST, que é favorável ao desarmamento, já ocupa prédios públicos e agências bancárias, toma praças de pedágio e invade fazendas produtivas.  -- Neste parágrafo final do seu artigo acho que Dallari extrapolou e, no linguajar popular, fez como que uma "viagem na maionese".
Dallari em seu artigo, atualíssimo apesar de escrito em 2005, aponta argumentos ponderáveis que certamente incomodarão aqueles que, como eu, desejam que não se possa comprar uma arma como se compra um brinquedo, nem portá-la como se fosse uma mochila. O nosso STF, quando derrubou a Lei da Ficha Limpa para 2010, deixou bem claro que legislação gerada por pressão popular não tem carimbo nato de excelência, correção e santidade. Vamos ver como caminha a humanidade tupiniquim em mais um episódio desafiante ao nosso bom senso e ao nosso ambiente jurídico.

Nenhum comentário:

Postar um comentário